Kung Fu para Inteligência Estratégica
Na China, durante o Período dos Reinos Combatentes (475-221 a.C.), tratados militares (como Son Ji, mais conhecido entre nós como “Arte da Guerra de Sun Tzu), diplomáticos (como Gwai Guk Ji) e políticos (como o Hon Fei Ji) expuseram, de maneira coerente, uma inteligência que “não passa pela relação teoria-pratica, mas se apoia apenas na evolução das coisas”.
Essas palavras são do Dr. François Jullien, docente da Université de Paris VII, que chamou essa inteligência de estratégica.
Em entrevista para o nosso projeto “A Bordo do Junco Vermelho”, ele afirmou que uma inteligência é estratégica quando ela é capaz de explorar as condições para se beneficiar.
É dentro desse contexto que Dr. Jean Levi, docente de importantes universidades como as de Paris, Bordeaux, Geneve e Montreal, afirma que Son Ji (Sun Tzu) se inclui em uma tradição filosófica na qual a inteligência se define principalmente – se não exclusivamente – como a interpretação da mudança.
Segundo Levi, a inteligência política se confunde com a capacidade de apreender a cadeia de transformação e seu porvir mais remoto, o que chama de “indício significante”.
Para Jean Levi, essa particularidade da inteligência previsora explica a disparidade entre a arte da guerra na China e no Ocidente.
O discurso chinês sobre a guerra se reabsorve numa teoria da “não guerra”, já que, enquanto fonte de males, essa deve ser tratada antes que se deflagre.
Prof. Jullien parece concordar com o Prof. Levi ao afirmar que essa noção de inteligência estratégica, desenvolvida na China, não teve equivalente no lado europeu.
Para Jullien, a guerra não se pensa sozinha, mas sim em relação ao adversário. Porém os chineses foram além pensando a guerra em termos de uma oposição complementar, visto que o pensamento chinês, fundamentado na polaridade do yin-yang, estava bem posicionado e favorecido para pensar a guerra.
Por sua vez, Levi considera os manuais chineses de arte militar (Sun Tzu, por exemplo) como livros de sabedoria que tomam como pretexto a guerra, para se ocupar da relação entre o macrocosmos e o microcosmos, do aperfeiçoamento de si mesmo, da arte de governar e, somente em última instância, das operações militares. Para ele, um livro como Sun Tzu se interessa por aquilo que para os militares ocidentais não pertence à guerra, ou seja, os tratados ocidentais começam onde se detém as obras estratégicas chinesas: o enfrentamento.
A noção de Inteligência Estratégica cunhada por François Jullien, e aprofundada por Jean Levi permitiu que Leo Imamura fizesse uma aproximação com o Kung Fu, cunhando o termo “Inteligência Marcial” que visa contribuir para a identificar a relevância das Artes Marciais no mundo contemporâneo.