Como o tradicional pode ser o moderno
Como o tradicional pode ser o moderno
Muita gente me pergunta, qual o interesse que eu, brasileiro descendente de japoneses tenho por uma cultura tão antiga e vinda de um local tão distante como a China.
Para responder a isso quero chamar a atenção a esta frase:
“Não existe o que se chama de mundo moderno”. Este é o título do primeiro capítulo da obra “Warrior Politics”, no Brasil este livro foi chamado de “Políticos Guerreiros”, ainda que para mim a melhor tradução seria “Política Guerreira”. Escrito pelo analista geopolítico americano Robert David Kaplan, a obra explica como ideias desenvolvidas na Antiga China podem ser fundamentais para entendermos o presente. Segundo Kaplan, quanto mais de perto analisamos a Antiguidade, mais aprendemos sobre o nosso mundo atual.
Para ele, o caso mais intrigante de um antigo sistema de governança que permitia aos seus territórios ser, ao mesmo tempo, independentes e interdependentes, é o da China.
O Império Han 漢, conclui Kaplan, não foi nenhuma ditadura monocromática governada exclusivamente de uma capital imperial. Pelo contrário, representava uma grande harmonia de diversos povos e sistemas – realezas, forças militares, e tantos outros. Apesar de que em todas as lutas pelo poder, cada um dos Reinos Combatentes evoluiu durante séculos para uma consolidação cultural e burocrática dos diversos elementos de um sistema maior que eles próprios. Se analisarmos a China antiga como um microcosmo do mundo como um todo, o século XXI pode ser visto como o equivalente aproximado do antigo Império Han 漢: um sistema global surgido dos principais conflitos e da anarquia do Período dos Reinos Combatentes.
Com base nas palavras de Robert D. Kaplan, é válido considerarmos como o legado cultural produzido no Período dos Reinos Combatentes influenciaram os Sistemas de Kung Fu, como o próprio Ving Tsun, podendo ser extremamente válido para enfrentarmos os desafios do mundo globalizado.
É sobre esta relação entre o antigo e o atual. E como o tradicional pode ser o moderno que iremos discutir neste nosso encontro na Vida Kung Fu.
As tradições do Sistema Ving Tsun 詠春 datam do Período dos Reinos Combatentes. É comumente aceito que esse período durou cerca de 250 anos. Imaginem, 250 anos, um quarto de milênio, dois séculos e meio de guerra. Impactada por ciclos de desarmonia progressiva, muitas referências culturais e estruturas burocráticas desenvolvidas nesta época influenciariam a China nos dois milênios seguintes.
A consolidação cultural e burocrática da China durante o Período dos Reinos Combatentes levou à redução do grande número de potências, por volta do Século III a.C., de sete para três. Havia Chuú (Chu) 楚 no Sul, Chiin (Chun) 秦 no Oeste e Chiií (Chai) 齊 no Leste, as duas últimas reemergindo de longos períodos de conflitos internos.
Por volta de 221 a.C., Chiin 秦 havia subjugando seus dois rivais e estabelecido o primeiro império unificado da história chinesa. É o que se considera a fundação da China.
Em 206 a.C., uma revolta substituiu a breve Dinastia Chiin 秦 pela Han, que durou um pouco mais de 400 anos – o primeiro grande império verdadeiramente chinês.
O antigo Império Han 漢 do século II a.C. na China é um exemplo de sistema político onde os territórios diversos e prósperos tinham envolvimento suficiente entre si, estabelecido por meio de alianças comerciais e políticas, para regulamentar seu comportamento e permitir padrões morais semelhantes. A crença de que fazer o sistema funcionar constituía a mais elevada moralidade, pode ser vista como consequência de uma experiência de desarmonia vivida no passado que não era desejada. Todos estavam cansados da guerra.
Penso que esta consciência de ressignificação da guerra é um discurso presente no mundo globalizado de hoje e esta tendência gera a importância necessária para compreendermos como um entendimento amplo do Kung Fu pode ser a chave pela qual podemos começar a valorizar o que chamamos pensamento clássico chinês e os lugares em que ele se encontra e se afasta das tradições filosóficas do Ocidente.
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