Inteligência Estratégica – Kung Fu como a arte de viver nossa própria vida
Inteligência Estratégica
De onde vem esta minha visão de Kung Fu como Arte de viver nossa própria vida? Será que eu mesmo a inventei? Ou será que ela é fruto de um esclarecimento que poucos tiveram a oportunidade de acessá-la?
Esta busca, de fato, não é só minha e nem só dos artistas marciais.
Quero dar o exemplo do sinólogo francês François Jullien, que observou que os principais tratados militares, diplomáticos e políticos, escritos no Período dos Reinos Combatentes, a época que antecedeu a fundação da China, apresentavam coerentemente uma inteligência, desenvolvida pelo pensamento chinês, de natureza eminentemente estratégica que marcou os principais setores da atividade humana.
Ele afirmou que essa inteligência estratégica era caracterizada pela “capacidade de tirar benefício das condições”.
Para o Prof. Jullien, esta inteligência que ele chama de estratégica “não passa pela relação teoria-prática” que estamos tão acostumados e nos convida a descobrir uma concepção de eficácia que ensina a deixar advir o que queremos e não buscar diretamente o efeito desejado, mas sim favorecer um processo que irá gerar o efeito como consequência.
Isso realmente me chocou, quando tive tais experiências com o Patriarca Moy Yat. Era incrível vê-lo alcançando o que desejava, a partir de uma outra perspectiva de eficácia.
É sobre este assunto tão inusitado que irei compartilhar com você neste nosso encontro de hoje na Vida Kung Fu
Ao longo da minha jornada, descobri que estes ensinamentos estavam registrados em vários tratados escritos no Período dos Reinos Combatentes e que esse tipo de pensamento estratégico, – fundamentado na relação Yin-Yang -, favoreceu refletir a guerra, a diplomacia, a política e a moral em termos de polaridade. Mas não uma polaridade simples, e sim uma polaridade complementar. Ao pensar assim, é natural enxergar as atividades das relações humanas a partir do vínculo com a outra parte (que pode ser inclusive o seu próprio adversário) e não da vontade isolada de uma das partes.
É dentro desse contexto que um compatriota de François Jullien, o também sinólogo Jean Levi destacou a obra Sun Zi, conhecida por nos como a Arte da Guerra, como exemplo de uma tradição filosófica na qual a inteligência era considerada como a capacidade de interpretar a mudança.
Ele nos ensina que no Período dos Reinos Combatentes, a inteligência também podia ser entendida como a capacidade de identificar a cadeia de transformação no início do seu processo. Doutor Levi lembra que era considerado sábio aquele que via longe porque percebia o oculto, o ínfimo. Talvez, essa associação entre inteligência e sabedoria advenha da inquietude das pessoas desse período de grande dinamismo com relação ao tempo e suas alterações, bem como do interesse com relação ao detalhe considerado como “indício significante”.
Para o Prof. Levi essa particularidade da inteligência previsora explica a disparidade entre a arte da guerra na China e em outras partes do mundo. O discurso chinês sobre a guerra se reabsorve numa teoria da ‘não guerra’, pois como já disse anteriormente, depois de 250 anos em guerra, todos estavam muito cansados. Por isso esse pensamento trata a guerra antes que ela se deflagre. Assim, os clássicos chineses de arte marcial podem ser vistos como livros de sabedoria que tomam como pretexto a guerra, para se ocupar da relação entre o macrocosmo e o microcosmo, do aperfeiçoamento de si mesmo, da arte de governar e, somente em última instância, das operações militares”.
Para este sinólogo francês, um livro como Sun Tzu se interessa por aquilo que para os militares não pertence à guerra, ou seja, muitos tratados militares de outras culturas começam onde acabam as obras estratégicas chinesas: o enfrentamento, o combate em si.
Estas diferenças ditas pelo Prof. Levi, são as mesmas que levam as pessoas a enxergarem o Kung Fu dentro de uma perspectiva redutora, ou seja, apenas para luta e não dentro da perspectiva da sua evolução ao longo dos séculos, onde o combate é apenas um recurso para a exploração das mais diversas artes que envolvem a relação humana, o que culminaria na arte de viver nossa própria vida.